Minha iniciação na suspensão corporal

No dia 09/09/2022 fiz minha iniciação na suspensão corporal com o Pombo Morcego e a Luara.

Esse texto está dividido em capítulos, o primeiro eu respondo a pergunta óbvia, “Por quê????”. Depois contextualizo sobre como cheguei nesse mundo, depois conto um pouco sobre como foi a suspensão de fato e por fim conto o que ela mudou em mim.

Ficou um texto grande então se quiser ir diretamente pra alguma parte específica é só clicar no índice abaixo:

Mas Por quê????

Existem duas coisas que as pessoas perguntam sobre suspensão corporal, a primeira delas é “Mas não dói não?” e a segunda é alguma variação, com mais ou menos palavras, de “Mas por que????”. A primeira pergunta eu vejo como muito problemática, por que indica que o medo da dor está muito presente ali, e quantas coisas essa pessoa deixa de fazer por medo de doer, e que muitas vezes nem doem mesmo. As vezes o que dói mais é deixar de fazer algo ou viver acomodado como está. Não que esteja defendendo uma relação de amor com a dor e de sentir dor só por sentir dor, não é isso. Meu ponto é que a dor existe e as vezes é um preço a se pagar por uma experiência. Uma liberação mio fascial por exemplo, dói horrores, mas é o preço que atletas pagam para ter melhor desempenho e um corpo mais saudável. A dor não deve ser evitada a todo custo.

A segunda pergunta é mais interessante, geralmente vem de quem está muito assustado com ganchos enfiados na pele e não entende por que alguém faria isso. Existem vários motivos pra alguém fazer uma suspensão corporal, mas eu posso falar somente dos meus motivos.

Como você vai ler abaixo, eu conheci a suspensão corporal quando era criança, aleatoriamente, e desde que vi me pareceu uma coisa tão intensa e insana que virou sinônimo de força mental pra mim. Desde que vi uma suspensão corporal pela primeira vez eu fiquei coma ideia na cabeça de que eu deveria ter a força mental pra fazer isso, sempre foi um desafio mental pra mim. Eu sou muito curioso com qualquer ritual/evento que me coloque numa situação que mude minha realidade, que abra meus olhos pra uma nova forma de pensar e de ver o mundo, que me faça criar mais consciência. Suspensão corporal, assim como Yoga, é mais um desses rituais pra mim. No caso da Yoga é mais sobre abrir espaço pra me conhecer, já a suspensão é mais uma prova de fogo onde preciso colocar tudo que tenho ali.

Logo antes de começar a me suspender, eu olhei pros ganchos nos meus joelhos e falei “Não vai subir não”. Realmente não acreditei que minha pele ia sustentar todo o peso do meu corpo naqueles ganchos de 4mm de diâmetro. Foi um enorme exercício de confiança e de aceitar que não tenho controle sobre a situação, e quando eu aceitei e me entreguei, foi, subiu mais fácil do que esperava.

Pra mim, fazer uma suspensão corporal é aceitar um desafio que eu mesmo criei, e que me deixa muito assustado e me faz questionar se eu consigo mesmo fazer aquilo. É aquela história de alguns pássaros empurrarem os filhos do ninho pra eles aprenderem a voar, no caso sou eu me empurrando no precipício pra aprender a voar. É claro que é um precipício metafórico e as consequências de algum erro não colocam minha vida em risco, mas é essa ideia de fazer algo que eu não acredito que consiga fazer que causa um processo tão poderoso de mudança em mim.

Logo antes de fazer essa suspensão, 5 dias antes pra ser exato, eu saí pra correr até ficar bem da cabeça, estava muito ansioso e angustiado e decidi correr. Eu corri 20KM. Eu acreditava que conseguiria dar a volta na lagoa da Pampulha? sim, em partes, mas eu acreditava muito mais que não conseguiria e que desistiria no meio do caminho. Mas consegui, nunca me cansei tanto fisicamente, lidei com muita dor ali, mas consegui. Esse foi mais um exercício que abriu minha cabeça, me joguei em uma situação onde eu não tinha alternativa pra voltar pra casa a não ser correr 20KM e tive que correr e completar o desafio.

Esse tipo de situação, que me faz confrontar o que acredito, ou me força a me render e aceitar que não tenho controle sobre as coisas me faz muito bem. É o tipo de coisa que me ensina a como lidar com minha ansiedade e a como lidar com o desconhecido. E daí vem a minha curiosidade em me jogar no desconhecido, é justamente ali que aprendo a como viver melhor e a como lidar com as minhas inseguranças, ansiedades, medos.

Uma grande amiga me disse (várias vezes) que essa minha curiosidade ainda vai me matar. Na verdade minha curiosidade já me matou várias vezes. Foram várias mortes em vida, onde abandonei muito do que eu era ao criar consciência pra mais coisas e perceber que quem eu era não me agradava em muitos aspectos e não me servia. Essas mortes em vida, como aprendi na Yoga, são momentos importantíssimos pra mim, é justamente neles que abandono tudo de ruim em mim que posso e me torno uma pessoa um pouco mais consciente, um pouco mais amorosa.

É por esse motivo que procuro rituais e eventos que me mudem, que me façam mudar. Aprender a lidar comigo mesmo e com o desconhecido é algo importantíssimo pra mim, e as vezes é preciso algo tão insano, como uma suspensão corporal, pra me colocar nesse ponto.

Um outro aprendizado que veio alguns meses depois da suspensão foi de apreciar as coisas só por apreciar, fazer por fazer. Eu não precisava ter feito essa suspensão, mas eu quis fazer e gastei tempo, dinheiro e esforço, senti dor, derramei sangue e fiz. De moto muito objetivista isso não mudou literalmente nada em minha vida, a não ser pelo fato de eu ter agora 8 cicatrizes em forma de pontinhos, 2 de cada gancho, mas a beleza da coisa, e de muita coisa na vida, é justamente essa. Foi o positivismo que meu pensamento niilista precisava pra eu continuar querendo viver e ter novas experiências. Se antes eu não tinha vontade de andar de skate por que não faz sentido aprender a se equilibrar numa tábua, agora eu acho incrível como as pessoas vão tão longe só pra se equilibrar bem em uma tábua.

Dito isso, o texto que segue é um relato e contextualização de como foi minha iniciação na suspensão corporal.

Como é que eu fui parar nesse mundo da suspensão?

Eu conheci a suspensão corporal quando era bem novo, tipo uns 10 ou 11 anos. Lembro que tava numa feira do Projeto X no Coleguium e um grupo de alunos mais velhos apresentou um trabalho sobre modificações corporais. Não lembro de muito do trabalho, nem sei se vi muito realmente, só lembro de uma moça falando sobre silicone nos seios e mostrando um exemplo de implante que não deixava o peito redondo pro Alex pai do Caio, e lembro que passaram um vídeo de uma suspensão, 3 pessoas num quintal, uma puxando a corda, uma só olhando ali e uma pessoa suspensa num suicide. Quem tava apresentando explicou que o gancho passa entre a pele e o músculo, tipo onde gato pega o filhote, então não dói tanto e você fica entre a dor e o prazer. Isso ficou na minha cabeça desde àquela época, lembro que desse dia em diante eu passei a pensar que se eu conseguisse fazer isso eu seria forte, tipo, conseguir fazer uma suspensão é um sinal de que tenho força mental, e na época eu fiquei com a sensação que deveria fazer como um teste de força mental. Isso logo passou, eu lembrava direto do moço falando sobre ficar entre a dor e o prazer e sobre como os gatos pegam os filhotes pela pele mas quando lembrava disso mal lembrava de onde tinha visto isso e que tinha suspensão corporal envolvido.

Depois de muitos anos, eu já tinha 22 anos e tive a ideia de me tatuar, comecei a pesquisar o que tinha que comprar e como fazer uma tatuagem handpoke e acabei caindo no canal do youtube da Lily Lu. Eu já tinha visto o canal dele antes mais ou menos em 2018 mas vi mais como curioso sobre o Little Swastika. Dessa vez reencontrei um canal bem estruturado e com muitos vídeos sobre tatuagens e todo tipo de ideia maluca. Eu via mais os vídeos sobre tatuagem no início pra entender como seria o processo e tudo mais, mas assim como me fascinou quando descobri Little Swastika em 2018 me fascinou quando conheci Lily Lu no início de 2022 (Little Swastika e Lily Lu são a mesma pessoa, Lily Lu abandonou o ego de Little Swastika que tinha antes e mudou).

Logo eu comecei a ver de tudo que Lily Lu fazia e vi algumas suspensões. Nessa época eu tava bem mal da cabeça e só queria sentir alguma coisa, dor e frio foram as coisas que eram mais fáceis de sentir pra mim. Em fevereiro mais ou menos eu decidi que queria fazer uma suspensão corporal por que essa parecia a maior dor que eu poderia sentir. Comecei a seguir no instagram toda a galera de suspensão que eu consegui achar pra já ir me acostumando com a ideia.

Alguns meses depois, eu já tinha comentado com algumas pessoas sobre suspensão sem falar que queria fazer mesmo, e minha irmã foi no Ao Cubo, na Savassi, procurar a haste do piercing dela que ela tinha perdido, nisso ela começou a seguir a menina lá e viu que ela fez uma suspensão. Ela me mostrou por que eu tinha falado de suspensão com ela e ai foi minha porta de entrada. Eu perguntei pra Nina no instagram com quem ela tinha feito e ela me indicou o Alex (Indigenak) que me indicou o Pombo Morcego, comecei a seguir ele e depois de um tempo mandei mensagem perguntando quando ele estaria em BH, ele disse que seria em alguns meses, já fiquei empolgadíssimo, a coisa tava ficando real.

A suspensão

Depois que decidi de fato fazer a suspensão fiquei flutuando entre muito animado pra fazer e querendo desistir por que é loucura. Lembro que teve uma sessão de gongo que me senti que tava deitado na maca de bruços, pronto pra passarem os ganchos nas minhas costas, e senti toda a ansiedade que poderia sentir ali.

Isso já era mais ou menos maio, eu já não queria só sentir dor pela dor, já tinha resolvido em parte as questões que me perturbavam, fui no culto de santo Daime de novo e comecei a me cuidar mais no geral. Eu questionei várias vezes se eu deveria fazer mas nessa altura do campeonato eu não queria dar pra trás, realmente queria fazer e já tinha olhado tudo, não podia deixar o medo me segurar, é justamente esse tipo de teste que eu ia enfrentar nessa suspensão.

Chegou o dia da suspensão e eu me preparei como pude, não acredito que ninguém está preparado pra nada de fato então só almocei bem e cheguei mais cedo na praça que combinamos (praça da calmaria, no mangabeiras). Nos momentos antes da suspensão eu ficava flutuando entre calmo por que parecia algo distante ainda e muito ansioso por que ia acontecer de fato. Fiquei conversando com a Luara e fui acalmando, ela me ajudou muito nisso. E quando eu pensava nas perfurações, que me assustavam muito ainda, naturalmente deixava pra lá e voltava para o presente, não sei como fiz isso mas foi muito natural. Nisso comecei a aprender a primeira lição que essa suspensão me ensinou: Não sofra por antecipação, deixa pra sofrer na hora que for sofrer, presentifique, fica no momento. Foi uma grande lição de como me render e lidar com a ansiedade, eu realmente tive que me render e aceitar que eu ia ser perfurado por 4 ganchos de 4 milímetros e aceitar a dor pra ficar tranquilo, não tinha chegado a hora ainda, então pra que sofrer antes? É estranho que eu já sabia disso mas até esse ponto era muito difícil de praticar de verdade, mas alguma coisa nessa hora mudou, acho que a necessidade de realmente focar e colocar tudo que eu tinha ali.

Depois disso tive que aceitar a dor e deixar doer. Outro momento de me render e abandonar qualquer ideia de controlar algo ali. Quando aceitei que ia doer e parei de pensar se eu ia aguentar, se não ia aguentar, se isso, se aquilo, a coisa fluiu muito mais tranquilo do que eu imaginava. Depois das perfurações eu aprendi a não fugir da dor, a dor não mais me assusta.

Um pensamento que me guiou durante os momentos iniciais da suspensão foi o que o Tej Partap sempre fala sobre caminhadas nas montanhas, a gente não pode chegar no topo e comemorar achando que terminou a caminhada, ainda tem a volta pra casa. Esse pensamento me manteve firme por que eu sabia que depois de furar as costas não podia comemorar que consegui furar as costas, tinha os joelhos ainda. E depois dos joelhos não podia comemorar por que tinha a suspensão ainda. Isso me ajudou a levar uma coisa de cada vez e não sofrer pela etapa seguinte antes dela chegar.

Nem acredito que aconteceu

Demorou um tempo pra perceber que eu realmente tinha feito uma suspensão corporal. Era uma coisa tão longínqua na minha cabeça, não parecia real mesmo. Mas quando percebi que eu realmente tinha feito, botei 2 ganchos de 4mm nas costas e 1 em cada joelho e me suspendi, que loucura, no sentido mais literal da palavra. Parece insanidade e deve ser até um certo ponto, mas isso sempre foi pra mim o maior sinônimo de força mental que tive. Eu sempre pensei que se conseguisse fazer uma suspensão, passar pela dor das perfurações simplesmente por que eu quis, eu seria forte mentalmente. E depois de passar por isso realmente me senti mentalmente forte. Depois de meses em um estado muito depressivo, sem confiança e sem vontade de fazer nada essa suspensão marcou o momento que saí desse estado mental depressivo.

Mas apesar de me sentir forte por um tempo isso passou rápido, e comecei a pensar que suspender pelos joelhos e costas é fácil demais, mas eu tenho esse péssimo hábito de desmerecer meus méritos e confundir confiança com prepotência. Toda suspensão é um grande desafio, e me lembrar daquele dia traz a força e determinação de novo. Não que eu me ache forte de verdade, na verdade não penso muito nisso, acho que todo desafio requer uma força diferente e cabe a nós descobrir onde ela está dentro da gente. Essa suspensão abriu meus olhos pra isso, e me ensinou que posso me sentir confiante sem ser prepotente, e que sou mais forte do que imagino, apesar de eu não pensar muito em termos de força, mas ela é um grande alimento pra confiança.

E agora eu quero mais, será que me tornei um Nóia de Gancho?

Coisas da minha iniciação

E a título de curiosidade, a partir do momento que deitei pra passar os ganchos eu coloquei o álbum Station do Russian Circles, simplesmente perfeito pra isso, apesar de eu não ter prestado muita atenção na música ela configurou um ambiente muito bom pra suspensão, e quando prestava atenção sempre combinava muito com o momento, mais intensa quando tava mais intenso e mais tranquilo quando tava tranquilo. Depois que acabou esse album eu já tinha suspendido pelos joelhos e ai botei um Vintage Caravan, já tava mais de boa e só curtindo.

E na hora que eu desci da última suspensão, o Suicide, chegaram 2 viaturas e duas motos de polícia, simplesmente 6 policiais pra abordar a gente. O pessoal das casas em volta deve ter ligado falando que tavam sacrificando um menino,hfusdhauhsauhauhsauhdusahuahs. Os policiais pegaram meu documento e registraram e ficaram chocados com tudo isso, mas não deu nada.

Atualizado em 2023-02-27